sábado, 12 de abril de 2014

A importância das ciências históricas para a Igreja

O Papa Francisco reuniu na manhã de hoje, 12 de abril, com 25 membros do Comité Pontifício das Ciências Históricas na Sala dos Papas no Vaticano, no âmbito da sinalização do 60.º aniversário da instituição, criada pelo Papa Pio XII.
O Pontífice agradeceu o trabalho que os historiadores membros deste comité desempenham, “com competência e profissionalismo, ao serviço da Igreja e da Santa Sé”, dado que “o estudo da História representa um dos meios de pesquisa e de procura da verdade”.
Este dicastério pontifício foi criado em 7 de abril de 1954 por explícita decisão de Pio XII, mas tem antecedentes históricos, que remontam ao século XIX, século em que definitivamente se passa da História-crónica à História-ciência. Num tempo marcado pelo positivismo dominante, a Hierarquia Católica sentiu a necessidade de oferecer uma reposta, hoje reconhecida como inadequada, mas compreensível à época.
Assim, o dicastério em causa herdou a tradição da Comissão Cardinalícia para os estudos históricos, criada pela Carta Apostólica Saepenumero Considerantes, de 18 de agosto de 1883, “para imprimir um impulso efetivo no espírito católico à renovação da investigação histórica, sobretudo depois da abertura do Arquivo Secreto do Vaticano aos estudiosos entre o ano de 1879 e o de 1880”.
Depois, em 1937, Michel Lhéritier propôs ao Cardeal Eugénio Tisserant, então Secretário da Sagrada Congregação Para a Igreja Oriental (que, no ano seguinte, passa a Presidente da Comissão Bíblica e, em 1958, a arquivista dos Arquivos Secretos do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Vaticana), a adesão da Cidade do Vaticano ao Comité Internacional das Ciências Históricas (CISH), o qual obteve de Pio XI a representação da Santa Sé no Congresso Internacional das Ciências Históricas de Zurique, em 1938, e a subsequente adesão ao CISH.
O intercâmbio no quadro daquela agremiação internacional esfriou-se um pouco durante os anos da Segunda Guerra Mundial, mas ganhou novo incremento com retoma sistemática das suas atividades e, já não a comissão cardinalícia, mas um comité devidamente estruturado participou nos trabalhos do Congresso Internacional de Roma do CISH, no ano de 1955, e como tal aderiu àquela estrutura internacional.
E é a partir deste congresso que se dá uma viragem na perspetiva do entendimento das ciências históricas por parte da hierarquia católica: o abandono da perspetiva da polémica e da apologética oitocentista; e a aceitação sem reservas da crítica histórica na apresentação da História Eclesiástica.
Pio XII, no seu discurso de 7 de setembro, exprimia-se com estas palavras:
Embora a História seja uma ciência antiga, é necessário contemplar nos últimos séculos o desenvolvimento da crítica histórica para o alcance da perfeição a que chegou nos dias de hoje. Graças à rigorosa exigência do seu método e ao zelo infatigável dos seus especialistas podeis orgulhar-vos de conhecer o passado com mais detalhes e de o julgar com maior exatidão que qualquer um dos vossos antecessores.

Mas o Papa Eugénio Pacelli não descura, na sua exigência de pensamento, o lugar específico da Igreja na História quando afirma:
A Igreja Católica é ela própria um facto histórico; como poderosa cordilheira atravessa a História dos dois últimos milénios; qualquer que seja a atitude que se adote a seu respeito, é impossível não a encontrar no caminho. Os juízos sobre ela são muito diversificados: vão da aceitação total ao repúdio mais decisivo. Mas, qualquer que seja o veredicto final do historiador, cuja tarefa de ver e de expor – na medida em que for possível, tal como aconteceram – os factos, os acontecimentos e as circunstâncias, a Igreja crê poder esperar dele que se informe da consciência histórica que ela tem de si mesma, isto é, do modo como ela se considera como facto histórico e da forma como encara a sua relação com a história humana.

De 1955 para cá a colaboração da Santa Sé com a atividade e as iniciativas do CISH não sofreu qualquer solução de continuidade e, pelo comum reconhecimento, essa colaboração sempre se revelou profícua e eficaz com vista à consecução dos seus fins institucionais. Tanto assim é que o Pontifício Comité das Ciências Históricas assume acima de tudo as funções e o papel de Subcomissão da Santa Sé na Comissão Internacional de História Eclesiástica Comparada (CIHEC). A atividade do Comité é, no entanto, multíplice e diversificada, quer na relação com os arquivos do Vaticano e outros departamentos da Santa Sé, os diversos institutos eclesiásticos, as instituições internacionais e os eventos de interesse histórico. E tem desempenhado papel relevante na revisão e conservação dos principais documentos históricos que suportam o magistério eclesiástico ordinário e extraordinário do Romano Pontífice, bem como dos dicastérios que o secundam na condução da Igreja Católica.
Na sequência do pensamento de Pio XII, Francisco acentua o valor merónimo e holístico da investigação histórica, como valioso contributo para o desempenho cabal da missão espiritual da Igreja e de seu serviço em prol da comunidade humana, quando assegura que “as vossas pesquisas, marcadas por uma autêntica paixão eclesial e por um amor sincero pela verdade, podem servir de grande ajuda aos que têm a tarefa de discernir o que o Espírito Santo quer dizer à Igreja de hoje”. E entende que, nos seus estudos e ensinamentos os membros do Comité Pontifício das Ciências Históricas confrontam os acontecimentos da Igreja, “que caminha no tempo”, com a sua história de “evangelização, de esperança, de luta diária, de dedicação ao serviço, de constância no árduo trabalho, como também de infidelidade, renegação e pecados”, constituindo-se numa importante vertente de consciência crítica da marcha da própria Igreja.
Quanto ao papel internacional deste dicastério da Cúria Romana, o Papa recorda que ele se insere desde sempre “no diálogo e na cooperação com as instituições culturais e os centros académicos de numerosas nações” sendo sempre acolhido “com respeito, pelo contexto mundial dos estudos históricos”.
Dirigindo-se em especial aos membros desta estrutura da santa Sé, afirma: “No encontro e na colaboração com os pesquisadores de todas as culturas e religiões, vocês podem oferecer uma contribuição específica para o diálogo entre a Igreja e o mundo contemporâneo”.
Circunstancialmente, mais do que a efeméride atinente a este Comité, Francisco evoca o centenário de um facto histórico que abalou o mundo inteiro, pela utilização massiva dos meios bélicos, pelo grande número de vítimas e pela crise transcontinental a que deu origem, a Primeira Guerra Mundial. Neste sentido, salientou a importância da sua participação no encontro internacional pelo centenário da I Guerra Mundial, durante o qual os seus membros vão refletir sobre “as recentes descobertas de pesquisa, com especial destaque para as iniciativas diplomáticas e humanitárias da Santa Sé, durante aquele trágico conflito”.
O Papa terminou o seu discurso aos membros do Pontifício Comité das Ciências Históricas, do qual também faz parte a vice-reitora da Universidade do Porto, Maria de Lurdes Correia Fernandes, desejando-lhes um “profícuo aprofundamento dos seus estudos” e encorajando-os a continuar, “com entusiasmo na procura e no serviço da verdade”.

Em suma, a História, em razão do seu trabalho de investigação e crítica, assume-se como servidora da Humanidade e, consequentemente, a Igreja, em face da verdade histórica posta a nu, pode e deve “reperspetivar” a sua caminhada perante os seus membros e perante o mundo. A formulação da História, assente na objetividade, quanto possível, que espelhe a verdade, exercerá o papel de consciência crítica ratificando as opções positivas e censurando as opções negativas e fornecendo pistas sadias de melhoria. Isto vale para a Igreja como para os Estados e para as diversas organizações. Por outro lado, se os historiadores souberem apresentar de forma correta as diversas tendências da marcha da humanidade aqui e agora, a Igreja ficará mais capacitada para ler os sinais dos tempos; e, a partir dessa leitura, pode construir a estratégia do seu esforço por servir melhor a Deus e ao homem.

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